quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Medo vira pretexto para destituir liberdade e criminalizar pobres


Renato Roseno, advogado que atua na área de direitos humanos, analisa a dinâmica política e social que põe em crise a segurança pública no país; para ele, quanto mais ordem punitiva e penal, mais violência.


Renato Roseno durante o debate na PUC-SP; Foto: Raphael Tsavkk

A onda de violência no estado de São Paulo põe em questão o papel e a função das forças de segurança pública existentes no país. Para o advogado que atua na área de direitos humanos Renato Roseno, é preciso indagar se houve mudança no papel do Estado e da Polícia Militar (a que mais mata no mundo) nos últimos anos, ou se esse é o caráter histórico dessas instituições. Os movimentos sociais responsabilizam as forças policiais pela violência contra a população, principalmente de baixa renda e negra.

“O Estado precisa educar e coagir a sociedade, e um dos dispositivos para fazer isso são as instituições de segurança pública. A violência do Estado é necessária para a produção da obediência das classes mais baixas”, avalia Roseno.

Ele participou na segunda-feira (3) do debate “Desmilitarização da polícia e da política”, ocorrido na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Confira a entrevista dada por Renato Roseno ao Brasil de Fato.

Brasil de Fato: Como a violência está relacionada com o projeto de estado brasileiro?
Renato Roseno: O projeto está assentado na produção de exploração da opressão. Ele gera contradições sociais, que devem ser administradas por coesão ou por coerção das classes pobres, consideradas “perigosas”. O conflito social é tratado como desvio, como perigo. Então, o perigoso tem que ser estigmatizado, disciplinado, corrigido e punido.

Não é à toa que o direito penal é da idade do capitalismo. O projeto de gestão do conflito social, por via do dispositivo penal, nasce quando o estado capitalista ganha racionalidade e solidez. O estado tem que ser o monopólio da força para dar ordem, portanto, o que está fora da ordem, por algum motivo, tem que ser administrado.

Primeiro você “retribui a sociedade, vingando a sociedade”. Segundo você dá o exemplo e, por último, você “ressocializa”. Mas na verdade você não ressocializa ninguém pelo dispositivo penal. Você apenas seleciona e estigmatiza.

Brasil de Fato: Como a mídia influi nesse projeto?
RR: Ela produz legitimidade sobre quem é o perigoso, quem é o suspeito e quais são os mecanismos que devem ser dirigidos a ele. Por outro lado, ela produz e reproduz medo. O medo é uma ideia política fundamental. Como a classe trabalhadora está com medo, não produz rupturas. O medo é o pretexto para destituir a liberdade.

Na lei geral da Copa, por exemplo, em nome do combate ao terror, se aprova o recrudescimento penal contra os pobres. A mídia, portanto, produz o estigma, legitima o dispositivo penal, e também produz pânico social.

Brasil de Fato: E a seletividade do encarceramento também está incluída?
RR: O encarceramento é o resultado do dispositivo penal. A criminalização sempre será seletiva. Os negros, jovens e pobres estão nas cadeias porque eles são os extermináveis de agora. Quem não é administrado pela fábrica, quem não é administrado pela política social, vai ser administrado pelo dispositivo penal.

Essa produção de criminalização não é um defeito do sistema penal. Não é só no Brasil que se prende pobre. Em outros países também se prende pobre, porque o mecanismo penal é feito para os pobres.

Brasil de Fato: Como a privatização dos presídios se insere nessa questão?
RR: Tem a privatização dos presídios e a privatização da segurança. Para cada trabalhador da segurança pública, você tem três na esfera privada.

Não é por acaso que vários senadores e deputados são donos de empresa de segurança. Quem é que vende câmera? Quem é que vende segurança? Quem é que vende cerca elétrica? É o capital. O capital também lucra com o medo.

Brasil de Fato: Como você analisa o projeto de redução da idade penal?
RR: É a pior medida que possa ser empregada no Brasil. São os jovens que vão ser criminalizados. Você reduz a criminalização pra mantê-los mais tempo encarcerados.

Brasil de Fato: Como que se aplica, na prática, esse projeto de militarização na sociedade brasileira?
RR: É um projeto de sociabilidade capitalista. O estado mínimo produz o estado máximo. Isso significa que o estado tem que montar um aparelho repressivo por causa de uma demanda por ordem e segurança criada no período neoliberal.

Analisando os orçamentos militares na América Latina, dá para ver que o Brasil está crescendo muito em seu gasto com as forças armadas. Eu não só chamaria de militarização da questão social, mas é a criminalização da questão social.

Brasil de Fato: Como é possível, diante desse cenário, desmilitarizar a polícia e a política?
RR: Quanto mais ordem punitiva e penal, mais violência. Nós temos que disputar. É uma disputa ideológica. Aquilo que é vendido para a população, dizendo que vai resolver o problema, na verdade, é o que vai agravar o problema. Quanto mais mecanismo penal, mais população carcerária, mais mortes e mais conflitos vão ocorrer.

Fonte: Brasil de Fato


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