Um novo olhar para o Serviço Social: Subjetividade e Prática Clínica

“Nenhuma história da terapia familiar seria completa sem mencionar a enorme contribuição dos assistentes sociais e sua tradição de serviço comunitário”.
Nichols, M. P. & Schwartz, R. C. – Artmed - 1998.

Introdução.

Olhar para o Serviço Social, Subjetividade, prática Clínica, é refletir a respeito das nossas práticas cotidianas, geralmente solitárias, onde cada profissional de Serviço Social se defronta com os seus sentimentos, emoções e o acúmulo das suas próprias experiências pessoais e profissionais.
O direcionamento da apresentação desse trabalho irá apontar para a inclusão e ampliação. Em nenhum momento será apontada a desqualificação dos saberes. Falo em meu nome e em nome de uma grande parcela de Assistentes Sociais, que certamente não estão na contramão do mundo nesse século XXI, e que estão cientes das suas responsabilidades para com o sujeito- usuário e a inter-relação com a realidade social e as suas vicissitudes.
O ser humano ao nascer é completamente dependente de outro ser humano e de um contexto. Ele já tem um nome ,uma família, uma religião, uma situação social e econômica, uma nacionalidade e todos os aparatos que fazem dele um ser bio-psico- social por excelência.
Segundo Vasconcelos(2000, pág.12) a percepção de que a subjetividade não se limita a um fenômeno individual, mas que abarca, todos os elementos coletivos e políticos sobrevindo pelas questões de classe, etnia, gênero, religião, sexualidade, inconsciente, questões ambientais e etc. Caberia ao Assistente Social o reconhecimento dessas expressões da subjetividade não somente nos indivíduos, grupos e fenômenos sociais com os quais trabalha ,bem como em si próprios enquanto seres humanos e trabalhadores.

Relacionamento Assistente Social e sujeito- usuário .

Falar de uma relação social como a do Assistente Social e do sujeito-usuário dos seus serviços, é falar de um encontro humano, complexo direcionado a uma demanda concreta e explícita, mas falarmos também de um encontro entre o sujeito- Assistente Social e o sujeito-usuário-demandante dos seus serviços, constituído na sua singularidade pelo acúmulo das suas experiência se e de como essas experiências o afetaram.
Segundo Meyer (2000)“Talvez esse seja o ponto crucial, que demonstra a diferença básica observada entre o Assistente Social e outros clínicos. O Assistente Social em particular, sabe que ele não pode avaliar de maneira significativa a situação do sujeito-usuário sem levar em conta quem essa pessoa é: sua etnia, seu gênero, sua orientação sexual, se os efeitos sócio econômicos o afetaram. Nós sabemos o quanto o sujeito corre o risco de ter incorporado um senso de inferioridade e baixa auto estima, o que se entende com clareza é que o ser está inserido nesse mundo objetivo, que contem inúmeros perigos e hostilidades. Nós vemos com frequência, como esses indivíduos incorporaram tais pontos de vista e estão propensos a se menosprezar, ou depreciar a sua própria inteligência, como também os seus talentos e ambições.”.
Segundo Salzberg-Wittenberg(1974)sentimentos otimistas e e medos são trazidos no íntimo do sujeito-usuário, que ali estará diante de um desconhecido, para falar da sua condição social e humana nos seus aspectos mais íntimos:

Exemplos de alguns sentimentos otimistas:
.Ser aceito pelo(a) assistente social.
.Encontrar alguém que resolva o seu problema.
.Encontrar alguém que o ajude a resolver os seus problemas.
.Livrar-se do sofrimento.

Medos- Ser censurado.
Ser negligenciado.
Ser punido.
Ser desamparado.

Sentimentos, que poderão ser experimentados pelo sujeito-Assistente Social com relação ao sujeito-usuário:
Saber acolher.
Ser tolerante.
Ser compreensivo, sem julgamento de valores.
Conseguir alcançar os objetivos de um bom atendimento.

Possíveis receios do sujeito- Assistente Social

Prejudicar o usuário (sujeito)–Temor da natureza das forças desencadeadas pelos sentimentos trazidos, através do discurso do sujeito-usuário, temor das suas próprias reações diante de situações perturbadoras como: Sofrimento, privação, agressividade, sedução, abuso etc.

Perda do controle da situação-Por não ter as ferramentas pessoais ,técnicas e/ ou recursos necessárias para intervir de forma segura e eficaz, deixar o sujeito- usuário dominar a situação.

“Examinar com olhos de raios-X” - Estar capacitado para perceber o significado de ser esse outro ser humano, ao invés de buscar apoio mecânico para os atos de ouvir e observar.

O despreparo para assumir as suas atribuições.
Nesse caso o Assistente Social seria um improvisador, transferindo as suas responsabilidades para outros profissionais e abarcando tarefas simplórias, baseadas na boa vontad epara “mostrar serviço.”
 
A Prática Clínica.

Segundo Corrêa(1996, págs. 53 e 54) As definições atuais de clínica falam de uma forma de atendimento médico, mas na sua origem a clínica significa o cuidado dispensado ao sujeito em sofrimento. Na antiguidade qualquer pessoa indistintamente praticava a clínica e as experiências pessoais eram transmitidas de pais para filhos. Apesar de não haver um saber, havia um modo de fazer e de ajudar. Na origem da palavra no grego, está o seu sentido mais antigo: Kline- leito, repouso./klino- inclinar, cuidar. Em nossa acepção ambos se fundem, resultando no elemento fundamental da clínica: um sujeito em sofrimento e alguém que cuida.

Emiliano (2006) avalia, que: É antiga a prática do Assistente Social em atendimento de casos; da sua visão do homem como um todo (bio-psico-social), porém, cabe neste momento ressaltar que a metodologia Psicossocial foi rejeitada em 1970 pelas Instituições formadoras de Assistentes Sociais, mas, que muitos profissionais mantiveram esta visão e ampliaram sua formação em diversas especialidades, a saber: Psicanálise, Terapia Familiar Sistêmica, Psicodrama, Terapia Comunitária eetc. e atendem em consultórios em prática privada, o que denominamos Serviço Social Clínico. Énecessário ressaltar a importância desta prática, que muito tem contribuído para a melhoria da saúde mental e, consequentemente, para a construção da cidadania.
Complementamos afirmando que a formação e a prática clínica sem dúvida possibilitam também a “construção dacidadania” do Assistente Social, como profissional e trabalhador, uma vez que permite ampliar os seus conhecimentos e complementar a sua renda familiar através do trabalho autônomo ,em prática privada

Seixas (2000) faz a seguinte citação:
“O Assistente Social é profissional liberal, o que pressupõe independência na conduta, norteada por princípios éticos e legais”. A formação acadêmica tem como base as ciências sociais e as ciências humanas, bem como disciplinas teórico-metodológicas, que apontam para o homem na sua singularidade bio-psico-social, portanto a formação do Assistente Social não é inferior às dos demais profissionais de saúde.
A formação do Psicanalista não está inserida no discurso universitário. Nenhuma faculdade forma analistas, ou “pretensos donos” da clínica psicanalítica.A formação do Psicanalista acontece de forma muito específica no chamado “tripé”:análise pessoal, estudo teórico em uma instituição psicanalítica e supervisão dos casos clínicos por um analista experiente.
Apesar de o Serviço Social ser reconhecido pelo Conselho Nacional de Saúde como profissão de saúde e caracterizado como tal através da Resolução CFESS nº 383/99, além do Ministério da Saúde afirmar a presença do Assistente Social nas equipes multidisciplinares da reforma psiquiátrica, há muito que se fazer. Há que se fazer justiça aos Assistentes Sociais especializados nas diversas linhas das abordagens psicoterápicas, pois custa tanto quanto aos demais especialistas de outras origens acadêmicas, no que se refere à competência, seriedade e ética”.
O mais incoerente nessa questão é a política de exclusão das Entidades Representativas da profissão com relação à prática clínica especializada do Assistente Social, rejeitando injustamente as raízes psico-sociais da profissão.(“Diz-se:”Jogaram a água da banheira fora com a criança dentro”) Ao invés de avançar, modernizar, ampliar e multiplicar, retira-se a possibilidade de autonomia do Assistente Social, condenando-o a permanecer submetido a sub empregos, a um patrão e a um padrão de vida injusto e indesejável.
Segundo Vasconcelos (2000, pág. 52) As associações corporativas estabelecem continuamente fronteiras de saber com as outras profissões; exercem controle sobre a formação e a prática dos filiados, incluindo normas éticas; defendem interesses econômicos e políticos tais como nichos no mercado de trabalho,recursos para a pesquisa e o treinamento,salários,condições de trabalho, políticas públicas setoriais que atingem a área e etc.”.

Código de Ética Profissional xA RESOLUÇÃO CFESS Nº 569, de 25 de março de 2010.
Nessa etapa final da minha apresentação convido-lhes a observar os princípios fundamentais do Código de ética e até que ponto a “Resolução 569/10 do CFESS” está sendo coerente com os citados princípios fundamentais.
.
A RESOLUÇÃO CFESS Nº 569, de 25 de março de 2010 cuja Ementa: Dispõe sobre a VEDAÇÃO da realização de terapias associadas ao título e/ou ao exercício profissional do assistente social.

CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DOS ASSISTENTES
SOCIAIS APROVADO EM 15 DE MARÇO DE 1993. COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS
PELAS RESOLUÇÕES CFESS N.º 290/94 E 293/94

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

• Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das
demandas políticas a ela inerentes – autonomia, emancipação e
plena expansão dos indivíduos sociais;
• Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e
do autoritarismo;
• Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa
primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos
civis sociais e políticos da classe trabalhadora;
• Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização
da participação política e da riqueza socialmente produzida;
• Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que
assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos
aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão.
democrática;
• Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito,
incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos.
socialmente discriminados e à discussão das diferenças;
• Garantia do pluralismo, através do respeito às correntes
profissionais democráticas existentes e suas expressões teóricas,
e compromisso com o constante aprimoramento intelectual;
• Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de
construção de uma nova ordem societária, sem dominação exploração de classe, etnia e gênero;
• Articulação com os movimentos de outras categorias profissionais
que partilhem dos princípios deste Código e com a luta geral dos
trabalhadores;

• Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à
população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da.
competência profissional;
• Exercício do Serviço Social sem ser discriminado, nem discriminar, por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, idade e condição física.

Pareceres de Assistentes Sociais habilitados pessoalmente e tecnicamente para o exercíciodo Serviço Social Clínico.

“Para mim a grande falta de respeito se manifesta na desqualificação de uma veia de trabalho da profissão. Por que o CFESS não se detém no código de ética e verifica que a proposta de intervenção social após Documento de Teresópolis, faz com que o S. S. invada a Sociologia e as Ciências Sociais, sem nenhum pós-graduado para tanto? É apenas graduação, que informa e absolutamente não forma. O S. Social clinico apresenta uma veia de trabalho social que existe e é ativa! Nós trabalhamos e conseguimos nos manter pela qualidade de desempenho profissional. Como pode um conselho desqualificar a realidade e fechar os olhos para a realidade social? É hora de atualizar o vivido e não ter rabo preso com nenhuma outra profissão, assim como, exerce o papel de cientista social e sociólogo, sem o menor constrangimento”!!! (Assistente Social A.)
 
“Como o projeto político tão anunciado, prescreve o cuidado? O que tem sido chamado de cuidar? O SS tem instrumentos práticos para efetivá-lo (o cuidado)? Nós os assistentes sociais estaríamos cumprindo com um dos pressupostos básicos do serviço social que é a promoção humana? Todos sabem que não podemos despertar potencialidades sem instrumentos adequados para um trabalho sério e efetivo. É da prática do cotidiano, do enfrentamento das diversidades que nos são apresentadas e das inúmeras demandas que nos surgiu a necessidade de buscarmos conhecimentos para uma ação profissional eficaz, que de fato pudesse potencializar a capacidade dos usuários, para que se tornem autônomos, sujeitos de sua própria história. Essa ação tem sido possível graças à prática de um acompanhamento sistematizado – clínico ou institucional – cujo processo num contexto ético permite o desenvolvimento humano. (“Assistente Social C“).

“Creio que o melhor seria você se deter na importância da pluralidade para a nossa categoria, o retrocesso que o projeto ético político nos impõe, historiar o serviço social clínico (como começou, como está, diferentes linhas de atuação, a necessidade da formação, etc.). Parece-me que o mais importante nesse momento é informar ao público a possibilidade de áreas de atuação, mercado de trabalho, formação profissional e afirmar o porquê o assistente social pode exercer a prática clínica. São as minhas observações, mas as faço no desejo legítimo de colaborar como Serviço Social Clínico”(Assistente Social D).

“O título do trabalho é pertinentes e concordo com a sutileza em abordar a clínica, porém esse é o nosso trabalho do dia a dia, sutil e respeitoso com o outro. Os temas presentes hoje na mídia são a exclusão e sustentabilidade, penso que a clínica seja sustentável, pois o auto-conhecimento leva o sujeito à percepçãode si e do outro, com reflexos positivos de consciência do seu papel enquanto indivíduo, na família e nas relações sociais. Como ficarmos excluídos se trabalhamos com a subjetividade, diferenças, singularidades do ser, diversidade, identidades, sexualidades...?
(Assistente Social E).

“O Serviço Social vem caminhando na direção contrária as das demais categorias profissionais cujo objeto de estudo e prática é o homem. Acumulamos, ao longo de décadas,vários saberes relacionados ao biopsicossocial,com uma grade curricular com enfoques em várias ciências humanas (antropologia, sociologia, filosofia, psiquiatria, etc.) que nos motivaram à formação (terapia de família, psicanálise, psicodrama, entre outras) direcionada a clinica. Nesta esfera, temos atuado e construindo saberes que deveriam ser incorporados ao Serviço Social ,que avançou em direção às questões sociais, mas que, por outro lado, exclui os conhecimentos anteriores como se fossem menores, sem considerar a construção histórica da profissão e as suas diversas vertentes de trabalho. Por que o Serviço Social precisou perder o caráter interdisciplinar e o que é pior por que se fechou? Por interesse de quem?
O seu campo metodológico (instrumentos e técnicas), quase que restrito atualmente à pesquisa, deixa os recém- formados sem instrumentalidade de trabalho, pois é no atendimento às pessoas que teoria e prática se realimentam.
Não entendo as proposições do Projeto ético político que vê a cidadania no coletivo e nega o trabalho de base de reflexão e empoderamento das pessoas para exercerem a cidadania. Enquanto as demais profissões buscam a constituição e da dinâmica dos seres humanos o Serviço Socil se fecha a esta prática fundadora da profissão.
Creio que muitas de nós têm apresentado trabalhos de suas práticas, algumas são também autoras de livros e isto é negado enquanto prática do Serviço Social.
Precisamos estar na clínica porque este é um lugar que temos ocupado há décadas e com excelentes resultados para a sociedade “(Assistente Social B.)

Referências.
Código de Ética Profissional do Assistente Social. Disponível em:
http://www.cfess.org.br/arquivos/CEP_1993.pdf

Corrêa, Carlos Pinto, Estudos de Psicanálise, nº 19- Setembro de 1996, Publicação do Círculo Brasileiro de Psicanálise.

Emiliano, Norma (2006).A Importância do S. S. Clinicona atualidade. Disponível em:http://br.groups.yahoo.com/group/serclinico/files/
Acessado em 31/10/2011

“Meyer, William S.,”O Assistente Social Psicanalista. O Serviço Social Psicanalítico. Qual será a nossa mensagem?”
Clinical Social Work Journal,Vol.28, No. 4, inverno de 2000.

A RESOLUÇÃO CFESS Nº 569, de 25 de março de 2010. Disponível em:http://www.cfess.org.br/arquivos/RES.CFESS_569-2010.pdf

Salzberger-Wittenberg, IscaPsicanálise & Serviço Social.
Uma abordagem Kleiniana, Tradução de Maria Helena Senise.
Editora Imago - 1974 –

Seixas,Sonia,Serviço Social e Psicanálise:Uma União Abençoada por Freud.
Artigo publicado no Jornal do Conselho Regional de Serviço Social, 5ª Região, Bahia, Ano 05, n° 09, fevereiro /março /abril 2000.

Vasconcelos, E, M.SAÚDE MENTAL E SERVIÇO SOCIAL: o desafio da subjetividade e da interdisciplinaridade, RJ, 2000, Cortez Editora.

AGRADECIMENTOS.

FENAS
Grupo SERCLINICO.
Grupo ASREDES.
Aos colegas Assistentes Sociais do Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Perú, Costa Rica,Porto Rico, Espanha, Estados Unidos, Grécia, Canadá, Suécia, Noruega e Portugal, que compartilham desse mesmo ideal.

Muito Obrigada!
Soniagmseixas@gmail.com
 


 

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