Histórico de consumo abusivo de álcool, síndrome de abstinência e manutenção do
uso, mesmo com problemas físicos e sociais relacionados, é o tripé que
caracteriza a dependência em álcool, segundo a psiquiatra Ana Cecília Marques,
professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O tratamento da doença, que atinge cerca de 5,8 milhões de pessoas no país,
segundo o Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil,
de 2005, não é fácil: dura pelo menos um ano e meio em sua fase mais intensiva e
tem índice de recaída de cerca de 50% nos primeiros 12 meses.
"Ele precisa preencher os três critérios. Um só não basta para se considerar
dependente", destaca a psiquiatra. Ela explica que o consumo contínuo e abusivo
leva a uma tolerância cada vez maior do usuário à bebida. "O corpo acostuma-se
com o [álcool]. Ele resiste mais e, para obter o efeito que tinha no começo com
uma lata de cerveja, precisará tomar cinco". A falta do álcool provoca uma série
de sintomas graves, como elevação da pressão arterial, tremores, enjoo, vômito
e, em alguns pacientes, até mesmo convulsão. Esse é o quadro da síndrome de
abstinência.
O terceiro critério para caracterização da dependência alcoólica está ligado
aos problemas de relacionamento e de saúde provocados pelo consumo abusivo. "O
indivíduo tem problemas no trabalho por causa da bebida. Ele perde o dia de
trabalho mas, mesmo assim, bebe de novo". A professora destaca que, além da
questão profissional, devem ser considerados diversos aspectos da vida do
paciente, como problemas familiares, afetivos, econômicos, entre outros.
Em relação às outras drogas, a psiquiatra informou que o tratamento da
dependência de álcool se diferencia principalmente na primeira fase, que dura em
média dois meses. "Cada substância tem uma forma de atuar no cérebro, portanto,
vai exigir, principalmente na primeira fase do tratamento, diferentes
procedimentos farmacológicos para que a gente consiga promover a estabilização
do paciente", explica.
De acordo com a médica, o álcool se enquadra na categoria de substâncias
psicotrópicas depressoras, juntamente com os inalantes, o clorofórmio, o éter e
os calmantes. Há também as drogas estimulantes, como a cocaína, a cafeína e a
nicotina, e as perturbadoras do sistema nervoso central, como a maconha e o
LSD.
"Na segunda e terceira fases, o tratamento entra em uma etapa mais
semelhante, que é quando você vai se aprofundar no diagnóstico e preparar o
individuo para não ter recaída", acrescenta.
A segunda fase do tratamento, a chamada estabilização, quando se trabalha a
prevenção da recaída, dura, em média, de oito a dez meses. Nessa etapa, são
percebidas e tratadas as doenças correlatas adquiridas pelo consumo do álcool e,
então, o paciente é preparado para readquirir o controle sobre droga. "A
dependência é a doença da perda do controle sobre o consumo de determinada
substância. [É feito um trabalho] para que ele volte a se controlar, a entender
esse processo e readquirir a autonomia. Não é mais a droga que manda nele".
A psiquiatra destaca que, nesse processo, a recaída é entendida como algo
normal e que não invalida o tratamento. "Ele pode ter uma recaída e não é que o
tratamento não esteja no caminho certo ou que ele não queira se tratar. Faz
parte da doença, é um episódio de agudização dessa doença crônica que é a
dependência do álcool. Faz parte recair", esclarece.
Na terceira etapa, que dura cerca de seis meses, ocorre o "desmame da tutela
do tratamento". "Ele está manejando essa nova autonomia. Ele volta para as
avaliações com menos frequência". Por fim, o paciente passa a ir ao médico com
maiores intervalos entre as consultas. "Ele segue em tratamento como qualquer
indivíduo que tem doença crônica. Pelo menos uma vez por ano, ele passa pelo
médico. A bem da verdade, [no tratamento dessas] doenças crônicas, a gente não
dá alta".
Levantamento feito em 2005 pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas
Psicotrópicas (Cebrid), da Unifesp, e pela Secretaria Nacional Antidrogas
(Senad), mostra que o uso do álcool prevalece entre os homens em todas as faixas
etárias. Mais de 80% deles declararam fazer uso de álcool. Entre as mulheres, o
percentual cai para 68,3%.
No que diz respeito à dependência, eles também estão na frente. O índice de
dependentes do sexo masculino (19,5%) é quase três vezes o do sexo feminino
(6,9%). A faixa etária de 18 a 24 anos, por sua vez, apresenta os maiores
índices, com 27,4% de dependentes entre os homens e 12,1% entre as mulheres.
Fonte: Agencia Brasil
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